quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A questão da Avaliação de Desempenho é só a gota de água no descontentamento dos Professores.

Estamos fartos de tanta burocracia e de tanto trabalho inútil. São reformas atrás de reformas e a escola está cada vez pior.

Transformaram a escola num depósito de crianças a tempo inteiro com os problemas e as consequências de uma sociedade mal resolvida.
Hoje em dia são os professores que têm que resolver tudo: o vandalismo, as agressões, a violência, o desinteresse, a falta de estudo, o absentismo e o abandono, o insucesso, os problemas familiares e económicos, a falta de motivação, a droga, o desinteresse de certos pais e famílias…
A escola deixou de ser um local onde se ensina e se aprende, para passar a ser um local onde se tentam resolver problemas que outras instancias deveriam fazer.

Já chega deste tipo de preocupações!
Eu não quero preocupar-me mais com os problemas financeiros dos meus alunos que não têm dinheiro para os livros nem para comer.
Eu não quero preocupar-me mais com as famílias que desvalorizam a escola e nem se preocupam se os filhos faltam.
Eu não quero mais escrever cartas para a Comissão de Protecção de Crianças e Menores a contar que certos alunos são maltratados em casa, ou que foram praticamente abandonados pela família, ou que fazem fora da escola “trabalhos” menos aconselháveis.
Eu estou cansada de “receber” este tipo de problemas e sentir que não há resposta para eles.

Estou farta de trabalho inútil!

Estou farta de burocracia, de papéis, de requisições, relatórios, grelhas, reuniões …

Não quero ter de fazer programas e manuais para disciplinas novas e absurdas. Não quero ter que ensinar matérias que não fazem parte da minha formação, só porque o Ministério achou que fazem parte de projectos chamados Novas Oportunidades, Cursos Profissionais ou CEF, para baixar o ranking de analfabetismo em relação a outros países.
Não quero ter que passar os alunos só para contribuir para esses rankings.
Não quero ter alunos de 21 anos, que não vão às aulas, ou que quando vão é só para brincar, e que como Encarregados de Educação deles próprios fazem o que querem, tendo que os manter em turmas de Cursos Profissionais.
Não quero ter que ser obrigada a mantê-los nas aulas e a passá-los, quando eles não estudam, nem querem saber.
Não quero que o Ministério subtraia dos programas matérias importantes e que contribua para o facilitismo e mentira do sucesso escolar.
Não quero ser responsabilizada pelos alunos que faltam ou que abandonam a escola.
Não quero ter que fazer festinhas na escola, como se todos os dias fossem dias de aniversário…
Não quero voltar a ir para a escola doente, porque se faltar um dia que seja, por ano, mesmo com atestado médico, já não poderei ter “Excelente”, na dita Avaliação.

Não quero inventar mais estratégias para os pais virem à escola, se os pais não querem vir, ou não podem vir.
Não quero promover um melhor acompanhamento das actividades escolares dos alunos por parte dos encarregados de educação, porque para muitos deles a escola é só um local onde deixam os filhos, para conseguirem ir trabalhar sossegados.

Não quero ter que fazer acções de mobilização dos pais para a constituição de uma Associação, pois eles é que deveriam estar interessados.
Não quero definir mais objectivos para a escola do que aqueles que a escola tem como dever.

Não quero ser maltratada por pais e pela opinião pública em geral, porque o meu trabalho é dedicado aos seus filhos, muitas vezes sem tempo para os meus.
Não quero ser avaliada por colegas mais novos, com menos experiência, ou com menos habilitações.
Não quero tanto trabalho administrativo de preenchimento de papelada.
Não quero perder mais tempo em papéis e reuniões a tentar operacionalizar leis e estatutos mal feitos que não se conseguem aplicar.

Não quero perder mais tempo em reuniões infindáveis, fazer estatísticas, matrículas, inscrições, requisições e tratar ainda da minha avaliação.

Não quero que a escola continue o Inferno em que se tornou.


Quero que os pais e as famílias sejam responsabilizados pelas faltas dos seus filhos.
Quero que os alunos não tenham só Magalhães e que tenham livros, refeições decentes, agasalhos e espaço em casa para estudarem.
Quero que os pais os eduquem e lhes transmitam valores sobre a violência, o racismo , a droga…
Quero que as famílias continuem o trabalho das escolas (já que os papéis se inverteram – antigamente eram os pais que pediam às escolas que continuassem o trabalho feito nas famílias).
Quero mais pessoal auxiliar na escola, que ajude a vigiar os alunos nos recreios e que haja mais apoio à acção educativa.

Quero turmas mais pequenas, para poder ajudar melhor os meus alunos, alguns deles com problemas muito graves.
Quero mais material didáctico nas salas de aula, mais recursos, mais equipamento, mais condições para os poder motivar.
Quero o sucesso escolar de todos os meus alunos, mas não prescindo que eles se esforcem e estudem.

Quero que o sucesso escolar aumente, mas pelo mérito dos alunos e não com passagens administrativas ou facilitismos.
Quero que os alunos façam exames sérios e regulares, para que se possa avaliar e aferir os seus resultados.


Quero poder actualizar-me e fazer acções de formação úteis para a minha profissão, sem ter que me deslocar quilómetros ao sábado e à minha custa.
Quero que os cargos sejam remunerados, porque assim é em todas as outras profissões.
Quero poder ensinar, quero poder trabalhar, quero ter tempo para preparar as minhas aulas.
Quero poder acompanhar também os meus filhos e a minha família.

E sim, quero ser avaliada, mas não quero que a avaliação me traga mais trabalho burocrático, nem que avalie situações que não estão na minha mão resolver.
Quero ser avaliada por pessoas mais qualificadas que eu, e que conheçam no terreno todo o meu trabalho.
Quero poder progredir na minha carreira pelo meu mérito, seja em que escola estiver.

Quero canalizar o meu trabalho para os meus alunos, que é ao fim e ao cabo a razão de ser duma escola.

Quero ser acarinhada pela opinião pública, quero que dignifiquem a minha profissão e quero ser compreendida pelas famílias e pelo governo.

Também sou mãe e quero uma escola melhor para os meus filhos.

Isto não é só a Avaliação de Desempenho.
Isto não é só a Ministra da Educação.
Isto é culpa de todo um governo.
Isto é culpa de todos os governos.
Isto é culpa de todas as reformas e reformas que se fizeram neste últimos anos.
Isto é culpa de todos nós que deixámos chegar a escola a esta situação.
A Escola está a bater no fundo. Se calhar só daqui a uns anos as pessoas se irão aperceber dos estragos.

1 comentário:

Psikus disse...

G'anda desabafo!... Parece que queres tudo, mas, quem te conhece, sabe que pouco precisas para te sentires bem a trabalhar, a ensinar; a educar, no mais completo sentido da palavra.
As coisas ditas assim como o fazes aqui podem levar quem te leia de forma, digamos, ligeira, a pensar que estás a pedir pré-requisitos para o teu ministério. Mas nunca pediste e nunca quiseste as coisas assim.
Onde estás fundamentalmente atingida, onde toda a situação presente te "machuca", é no teu prazer de dar aulas. E esse, sim, o prazer de dar aulas tem o condão de fazer magias, milagres e feitiços. Muda a atitude dos alunos, muda a motivação, passa os pré-requisitos um a um e a gente deixa de pensar no quer quer porque não sente mais o que falta. O essencial, aos poucos, está na sala de aula, nos alunos, nos pais; em nós.
E a solução para os nossos governantes, fácil e barata, até é muito simples: basta que sejam os primeiros a acredita na boa fé, na motivação e na honestidade dos professores.
A escola é como uma planta. Qualquer planta que cresce e se diferencia, tem por perto parasitas, ervas daninhas e um ou outro ramo seu mais fraquito. Nada que uma vigilância e uma poda serena não controle. A própria saúde da planta o reclamará.